sexta-feira, 20 de julho de 2012

Comendo o que se escreve

Aqui vai outro texto meu publicado no jornal A Folha, ontem (19)


Comendo o que se escreve

Isael Lubk Mangerona*

         Antes de qualquer coisa é preciso deixar claro que o texto a seguir não é mais uma dieta milagrosa nem coisa parecida. Aliás, se pensarmos bem, trata-se de uma dieta sim, mas antes de ser milagrosa, ela é um tanto..., intragável. É que, no auge de discussões acaloradas sobre os méritos literários de algumas obras, a solução acabou sendo uma refeição um tanto indigesta.
         Dentre os vários segmentos do jornalismo, figura o “jornalista cultural”, aquele que se dedica a cobrir todas as informações na área da cultura. Um de seus expoentes foi o jornalista Daniel Piza, morto recentemente. E é ele mesmo quem escreveu certa vez que o jornalista cultural “é rotulado nas próprias redações como um privilegiado que trabalha menos (afinal, ‘dar opinião é fácil’), não tem obrigação de cavar ‘furos’ e ainda vive ganhando os melhores ‘jabás’ – livros, CDs, DVDs etc.”
Quase sempre, quando se pensa em alguém que pratica o jornalismo cultural, imagina-se uma pessoa sentada, lendo muito e tendo pouco contato com o mundo real, a não ser quando vai acompanhar uma peça de teatro, ou um filme novo. Ao contrário do jornalista que lida com os fatos do cotidiano, que está sempre envolvido em ações perigosas, acidentes, denúncias, etc.
Mas a literatura e as artes em geral, assim como a investigação histórica, também possuem suas polêmicas. No Brasil ficou célebre o embate entre José de Alencar, que em 1856 criticava a concessão de verbas imperiais para a edição do poema A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, e o próprio Imperador D. Pedro II, que a princípio escrevia nos jornais em defesa da concessão das verbas usando um pseudônimo, mas que depois assinaria os artigos com o próprio nome.
Outra polêmica famosa foi em Florianópolis quando, após criticar um livro de Eduardo Nunes Pires, o jornalista e crítico literário Virgílio Várzea foi obrigado pelo autor a engolir as páginas de jornal onde ha­viam sido publicadas as críticas que tanto ódio despertou. Bem, ao que parece nem sempre a vida do “jornalista cultural” é tão simples assim.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

No jornal A Folha

O texto a seguir foi publicado hoje no jornal A Folha, aqui de São Carlos:

A Arte de sujar os sapatos

Isael Lubk Mangerona*

         As informações estão ao alcance de todos. O advento da internet permitiu que o mundo todo estivesse ao nosso alcance sem muito esforço. Para sabermos das notícias mais quentes do momento, basta acessar alguns sites de notícias, atualizados dia e noite. Em alguns minutos a notícia já é velha.

         Nesse contexto, natural que um velho “caçador de novidades”, o jornalista, passasse a usar em seu favor esta tecnologia. E isso aconteceu. O problema que aconteceu tanto, que, como observou Humberto Werneck, no posfácio de Fama & Anonimato, livro de Gay Talese, o jornalista passou a resolver tudo, ou quase tudo, de dentro das redações, e esta seria, inclusive, uma explicação para “o conteúdo monocórdio que nivelou, por baixo, boa parte dos jornais e revistas”.

         Esse conteúdo monocórdio acaba sendo uma consequência óbvia da busca das notícias nas mesmas fontes, já que, por pequena ou nenhuma quantia em dinheiro, todas as notícias “quentes” do mundo estão diante da tela do computador.

         É aí que faz toda a diferença o veículo de informação que mantém nos seus quadros um ser quase em extinção; o jornalista que suja os sapatos. É o velho profissional que, ao sair às ruas, busca mais do que notícias, busca pessoas. Seus assuntos quase sempre não exigem publicação imediata, pois falam do povo, e o povo está sempre aí.

         Aliás, não só no jornalismo, mas em quase todas as profissões existem aqueles que tomam como causa dar nomes e contar as histórias dessa multidão informe e anônima chamada “povo”. Como escreveu na dedicatória do livro Café e Indústria, São Carlos 1850-1950 o professor Oswaldo Truzzi “dedico este livro àqueles – escravos, imigrantes e nacionais – que, de protagonistas, foram transformados em meros figurantes de sua própria história".

         Assim é que os “mestres na arte de sujar os sapatos” abrilhantam a imprensa com “tesouros” que quase sempre estão bem próximos, histórias que passam pelas ruas todos os dias, a espera de um par de sapatos sujos que vá ao encontro delas e as façam falar.